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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os Portais do Tempo - Saudades e Alegrias - Conto



Portais de saudades e alegrias

Gosto de lembrar e escrever as coisas da minha infância.
Ela está encerrada no tempo, mas há um portal aberto para eu entrar e sair quando desejar. É como os contos de fadas escritos e que também os vimos nos cinemas. Daqueles em que as crianças passam aperto, mas recuperam a alegria.
Vou atravessar esse portal e me materializar em uma das estradas de terra dos meus cinco ou seis anos de idade.
Não me lembro qual foi o motivo de estar dentro de um carro de bois certo dia. Lembro-me apenas que um dos meus tios estava pronto, de guiada na mão, orientando a junta de bois aparelhada sob a canga, fazendo a volta no terreiro, rumando em direção à estrada.
O carro de bois encontrava-se vazio e, como eu estava por perto, meu tio convidou-me a dar um passeio nele. Pegou-me no colo ajudando-me a subir, pois de pronto, o convite foi uma alegria.
Para meu tio era um trabalho que ele estava destinado a fazer. Para mim era um passeio, pois criança passeia enquanto o adulto trabalha.
Garupa de bicicleta é muito bom. Também a de um cavalo ou uma carona da charrete. A de carro de bois era menos comum para crianças naquelas roças.
Exigia mais cuidado devido a sua estrutura feita para carregar muito peso. Suas rodas são grandes e pesadas e os animais que os puxam, os bois, também são.

Fomos, então, ao destino.
Fiquei em pé, segurando na beirada da esteira que circundava o carro, olhando o movimentar dele, a paisagem e os gestos do meu tio dando ordens aos bois. Ouvia também o gemido do eixo que unia as grandes rodas. Ele era premido em cunhas para produzir um alto som que anunciava a passagem do carro de bois pelas estradas.
Não era longe o destino do passeio. Íamos devagar. Carros de bois não correm.
Entramos em uma estradinha e logo depois atingimos a principal. Ainda estávamos perto de casa. Dava para avistá-la. O passeio seria um deleite de criança feliz.
Havia do lado esquerdo, naquele trecho da estrada de terra, um barranco não muito alto, onde passava uma estrada de trem de ferro sobre ele. Não disse a palavra “trem”, sozinha, porque em Minas, qualquer coisa pode-se chamar de trem, por isso, especifiquei: “trem de ferro”. Era uma via férrea. Do lado direito da estrada de terra ficava uma área em nível mais baixo, cerca de um metro. Nela existia um campo de futebol.
De repente, surgindo do nada, apareceu um vulto, que foi identificado mais tarde como sendo o de um menino da redondeza, que passava por ali, caminhando no alto, na via férrea.
Sabe-se lá, por quais cargas d’água, ele atirou um pequeno torrão de terra em direção à junta de bois. Estávamos todos distraídos: o carreiro, que era meu tio, os bois e eu.
Os bois se assustaram e puseram-se a correr, dada a surpresa que tiveram.
Interessante, não é? Boi também se assusta.
Desorientados, por causa do medo, saíram da estrada saltando para o campo, se afastando do possível perigo.  Aquele solavanco inesperado e ligeiro fez-me rolar pelo assoalho do carro e cair no campo que para minha sorte era gramado.
A queda rendeu-me alguns pequenos galos na cabeça e quase perdi o fôlego de tanto medo. Meu tio correu logo a acudir-me, deixando o carro de bois que em seguida parou.
Interessante, boi também tem noção de quando acaba o perigo.
Fui levado depressa para casa onde recebi as atenções da família, para me ajudar a passar o susto.
Esse, e outros episódios, poderiam ser guardados com tristeza, trauma, ou outra coisa qualquer. Entretanto, marcou-se em saudade.
Saudade daquela estrada, onde brinquei tantas vezes, até mesmo com o menino que jogou o torrão de terra nos bois. Saudade do meu tio, tão amigo, o qual já deixou nosso mundo. Saudade dos bois, assustados, porém, mansos e amigos trabalhadores, que também já se foram. Saudade do carro de bois que rodou tanto, carregando tantos e tantos pesos para sustentar nossas vidas.
Então, pergunto: o que é a tristeza para uma criança?
Creio que é apenas a falta de amor, que na minha infância nunca faltou.
Por isso, eu penso que, mesmo ficando adultos, podemos descobrir alguns portais de alegria para vermos nossa história de vida. Sempre haverá pedras pelos caminhos, na vida real ou virtual. Os meteoritos caem do céu sem aviso.  Eles são prescindíveis, mas acontecem. O imprescindível é o amor, que nos põe de volta, em pé, arrebatando-nos das tristezas, ou não nos deixam cair.
Assim sendo, a vida nos oferece inúmeros portais por onde podemos ver o que ficou no passado, preenchendo nossos espaços em saudades e alegrias.
O blog é um portal. Bonito portal que se integra nas alegrias de minha vida, aberto já há algum tempo onde posso rever o passado que eu construí nele, admirar o presente e sonhar com o futuro. Está sempre aberto para olhar através dele com alegria o que se passa à frente de meus olhos porque a vida é um presente.
Tudo o que acontece nela soma-se à contabilidade da experiência que faz o meu ser, cuja busca é transformá-la em sabedoria e retribuir ao mundo o melhor que dele posso aprender. O maior ingrediente é o amor que tem passaporte para qualquer lugar e tempo. Devemos cuidar bem dele e de preferência nos alegrarmos com os portais do tempo, com saudade do que se passou e alegria com o que se está construindo.

Juiz de fora, 23 de agosto de 2011
Evaldo de Paula Moreira
Contos de Amor

6 comentários:

Emilia Vaz disse...

Lindo texto!Vc tem razão é blog é um portal.O portal da nossa alma!
Obrigada por passar no blog e deixar seu coments por lá.Estou no seu arstro.
Bom fds,abraço

Bento Sales disse...

Evaldo, seu conto está espetacular.
Você escreve bem, pois tem domínio da linguagem e da narrativa. Sua gramática também é impecável.
Deveras, na infância acontecia coisas mágicas, cabe a nós, ao ficar adultos, aproveitarmos essa magia para nos tornar mais humanos.
Também sou do campo; fiz muitas travessuras por lá e hoje é uma terapia recordá-las.

Parabéns pelo alumbramento e pelo talento!

Abraços!

MA FERREIRA disse...

Amigo Evaldo...
Concordo plenamente com o comntairo do meu amigo Bento.
Sua escrita sempre impecável.
Bom que vc teve tantas e belas experiencias em sua vida.
Esta soma fez vc ser esta pessoa maravilhosa que vc é hj.
Eu gosto muito desse contato que o blog nos proporciona.
Criamos uma relação de carinho e amizadque não tem preço.
No congresso que participei na semana que passou tive a felicidade de entrar alguns ceramistas amigos de blog.
Vc não tem noção da alegria que senti.
Quando alguém me procurou e disse: Vc é a Ma Ferreira?? rsrs
Nossa.. foi bom demais...
Quando vi a Acacia Azevedo e a reconheci..eu dei um berro..todos olharam.. a gente se abraçou e ate chorou..
Boa semana vc...

Ma

Celina Dutra disse...

Evaldo,

Texto mais lindo, terno, doce. O afeto que cobriu você na infância permanece no homem de hoje. Isso é maravilhoso constatar. Ouvi o som dos carros de boi... também tenho saudade, alegre, feliz.
Obrigada pela beleza do seu trabalho e com certeza tudo que importa é o amor. Aproveitar todos os portais para ver amor e espalhar amor.

Girassóis nos seus dias.
Beijo

Ana Cecilia Romeu disse...

Evaldo,
não tem como não comentar este texto!
Maravilhoso!
Você tem um dom para a narrativa, não tenho todo o conhecimento como o amigo Bento que comentou antes, mas está muito bom, envolvente e visual!
Recordei-me um pouco das histórias que meu pai contava da sua infância nas campanhas do Uruguay!
Me deu saudades das histórias dele, por meio das saudades tuas de tuas histórias rsrs Ficou confuso, mas está valendo!
Grande abraço!!!!!

Jacques disse...

Ótima crônica, Evaldo.
É na infância que somos apresentados ao mundo e aos caminhos que ele nos proporciona.
A maior parte de minha infância se passou em um mato de eucaliptos (que eu, em minha ingenuidade, acreditava ser mata nativa) situado aos fundos de minha casa.
Abraço.

Jacques Beduhn
http://relativaseriedade.blogspot.com/