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terça-feira, 24 de agosto de 2010

PINGO D'ÁGUA

Pingo d’água.
No silêncio de minhas lembranças estão as gotas de água de chuva caídas daquele teto de telha da casa antiga de meus avós, já derrubada, lá da roça.
O barulho suave daqueles pingos pingados no colchão de palha no quarto sem forro soa como conforto vindo do céu.
Era o próprio paraíso na Terra.
Silêncio na casa.
Chuva lá fora.
Colchões macios recheados com palha de milho.
Fofos.
Afofados com as mãos cuidadosas daquela tia que já se foi daqui.
Talvez tenha sido promovida pelos anjos dos céus para afofar as camas de lá.
Cada cama da casa, todo dia de manha, era ela quem cuidava.
Era um deitar macio, de menino que não sabia o que seria se preocupar com a vida. Nem sabia que na vida nem tudo seria delícia.
Mas o “Chuá” da chuva com o vento que ventava por todos os lados da casa ajudava a compor o cenário diurno.
Deitava por deitar. Era como sentar no sofá da casa da cidade. Lá era banco de madeira, comprido, que ficava na sala. Menino encosta-se em qualquer lugar.
Apenas para escapar “do molhar” lá de fora, muito embora debaixo das chuvas leves, brincava. Ouviam-se o balançar das árvores, e o caimento das águas sobre o telhado.
De vez em quando, uma gotinha d’água pingava na beirada do colchão, ou no assoalho de tábuas largas. As pequenas goteiras eram logo arrumadas, pois alguém cuidava disso.
Isso mudava o foco do olhar, e fazia a mente divagar, até outra coisa desviar esse olhar.
Hoje me faz lembrar que essa infância foi uma orquestra vivida, com os sons da natureza, retratando a vida. Fui o ator, o espaço foi o palco, a natureza foi composta por grandes músicos: o vento, a chuva, as cachoeiras, o Sol, a Lua. Deus ainda é o maestro.
Mas aquele colchão de palha era demais. Naquelas épocas não era comum ver pessoas reclamando de dores de coluna. Algum mau jeito aparecia, porém motivado pelas atividades diárias. O colchão era o primeiro remédio que o corpo procurava.
Fico pensando nos dias de hoje e comparando os tempos.
Vejo que há coisas que foram melhoradas, mas outras foram complicadas.
Os colchões atuais são muito bonitos. Objeto de desejo, principalmente para as dores de colunas que são muito mais do que naquela época de minha infância na roça, década de 50.
Existem as especificações técnicas, tamanho, densidade, etc. aprovadas pelos órgãos oficiais.
Já troquei vários colchões de minha casa. São caros, nas lojas, e alguns ainda estão fora do padrão, embora com selo de qualidade testada.
Esse foi e ainda é o meu mundo.
Como será o futuro do mundo de quem nasce hoje?
Certamente o colchão de palha não será preciso porque já foi banido das malhas do consumo. O coração quer aquilo que os olhos vêem.
Mas não adianta mais falar em colchão de palha. Não tem goteira. Tem sim, muita riqueza e muito mais miséria, mas isso é outro assunto.

Juiz de Fora, 24 de agosto de 2010.
Evaldo de Paula Moreira
Contos de Amor